Chego na rua 7 de abril, no centro de São Paulo, era uma sexta-feira fria de inverno, na capital paulistana, já na saída da estação do Metrô República dei de cara com uma galera na porta do Executivo Club, que estavam tentando se aquecer com algum destilado antes de entrar na festa.
A festa da qual me refiro é a Wine, um projeto das minas Thais Kossity, Kamilah Pimentel e Christina Fernandes, um trampo idealizado totalmente por mulheres e feito especialmente para nós mulheres, mas que obviamente os homens são mais que bem vindos.
O interessante desta festa é que o protagonismo é todo nosso, é uma das festas mais democráticas que já vi, que embora seja feito por nós e para nós, não há um clima de competição, como geralmente o machismo espera das mulheres, a atmosfera é de única e exclusivamente de diversão, de curtição, de exaltação da dança, do corpo, mas não como objeto, e sim como forma de se sentir feliz consigo mesma. “A ideia foi criar um lugar onde as mulheres não estivessem apenas na pista dançando, mas que também estivessem juntas no processo da formação de um movimento que hoje tem força e peso crucial na vida de muitas mulheres, sobretudo da mulher preta, devido seu histórico de abusos, violência, hiperssexualização e etc.”, afirma Thais Kossity, uma das organizadoras.
Em todos os gêneros musicais a mulher está sempre presente nas letras, nos videoclipes, mas a visão do homem é que conta. A escolha do dancehall como o estilo de música principal, além do gosto pessoal das organizadoras da festa, também foi para mostrar que a relação é mais profunda. “No dancehall por exemplo, muito se fala da mulher…seu corpo…sua dança…então era mais do que necessário que esta mulher falasse por si e isso foi o que chamamos mostrar o nosso mundo”, comenta Kamilah Pimentel, uma das organizadoras.
Ainda sobre o dancehall e essa relação com a festa Wine, as organizadoras quiseram também fazer esse paralelo, Wine tem a ver com mexer-se, rebolar-ser, requebrar-ser, balançar-se de forma sensual, pois sua origem do movimento foi feito apenas por mulheres. Thais ainda fala na questão gramatical que significa movimento circular da cintura e quadril apoiado pelas pernas, movimento, bastante comum dentro da cultura dancehall, e é um termo que faz parte do dialeto jamaicano e que se relaciona com o empoderamento feminino. “Algo que está totalmente relacionado ao movimento do corpo, por isso criamos a festa, com o intuito de que todas as mulheres pudessem dançar a vontade…De acordo com seus desejos, do seu jeito e que a sua roupa não fosse de maneira nenhuma vista como indicador de qualquer adjetivo pessoal”. Estar em um espaço onde você está a vontade com seu próprio corpo é também, uma das expressões do empoderamento feminino, segundo Thais.
Outra coisa que notei na festa Wine, é que o preço da entrada é o mesmo para todos os gêneros, algo que já deixa explícito que o que queremos é igualdade! Para nós mulheres, e acredito que para alguns homens, porém nem todos, o poder se relaciona com unidade com a habilidade em combinar forças e não dominação. Creio que seja este o ponto. Não querer subjugar ninguém que seja diferente, não há ninguém mais importante que o outro. Nesta busca, houve uma preocupação para se trazer DJs que tocassem músicas que valorizassem a mulher preta, com letras que não menosprezem ou subjuguem as mulheres, e que pudesse mostrar esse valor, que nós possuímos, mas que nos tiram.
Num momento em que nossa política passa por uma turbulência muito grande, quando uma presidente foi massacrada por ser mulher, e que quando foi retirada do poder, assumiu-se um governo em que se priorizou a presença de homens no Ministério, ou seja sem representatividade de gênero, o grupo também viu a importância de gestos como a criação da festa para contribuir com o fortalecimento do nossos direitos. “Esse é o momento em que a junção das forças de todas as mulheres e todas as outras ‘minorias’ será sem dúvidas a maior e mais eficaz arma contra esse governo excludente e golpista!”, afirma Christina Fernandes.
As organizadoras estão muito felizes com o sucesso e a aceitação da festa que faz o 1º ano em agosto, elas preparam uma comemoração especial neste dia 5, com KL Jay, 1*Alleh GF Posse/Mozziyah Hi Fi, Laddy Brownn e Lay. É uma grande conquista manter uma festa em São Paulo, ainda mais quando se trata de mulheres negras e periféricas.
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Por: Erica Bastos
