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sexta-feira, abril 26, 2024

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Rappers gays que usam batidas eletrônicas não são mainstream, são pura resistência

Após muito tempo me sentindo o único gay em vários rolês de Rap e já ter ouvido muita coisa (contei brevemente um pouco dessas experiências AQUI no ZonaSuburbana), resolvi virar o jogo e me dedicar a ouvir rappers gays. Não são muitos e nem a maioria, mas são vários. De Rico Dalasam e Gloria Groove Zebra KatzBig FreediaLe1fCakes da Killa, tenho ouvido mais e mais rappers e me sentindo muito feliz nessa caminhada de conhecimento e, porque não, também de auto-conhecimento.

O que acontece é que a grande maioria desses rappers (com exceção à Mademoiselle Lulu Mon’Amour) costumam rimam em bases de música eletrônica, especialmente house e derivações, como a darkwave. E, sempre que passo o som de algum gay para um amigo, muitos dizem “poxa, Arthur, a música é até bacana, mas não curto essa pegada eletrônica não, muito mainstream pro meu gosto”. Respeito esses posicionamentos: ninguém é obrigado a gostar da nada. Mas que esses rappers estão bem longe do mainstream, isso é um fato. Por isso esse texto pretende colocar uma nova perspectiva sobre a questão da música eletrônica no rap gay e mostrar exatamente isso: estes são atos revolucionários.

Gays sempre existiram na história e, de uma forma ou de outra, sempre estiveram aí. Apesar de grande parte da história gay ser regada a sangue e muitos terem sido assassinados pelos mais diversos motivos (serem considerados amorais, satanistas, anormais, etc), em alguns momentos tivemos nosso reconhecimento e/ou nossa exaltação como no livro “O Banquete” em que Platão anota falas de Sócrates dizendo que o amor entre dois homens é o amor mais puro que existe.

Mais recentemente os gays, fugindo de toda a punição vinda especialmente de cristãos, passaram a criar lugares onde pudessem se conhecer, se curtir e se relacionar. Um dos lugares mais antigos, mas contemporâneos, são os Bares Gays. Nada além do óbvio: bares onde gays se encontravam para beber e compartilhar experiências. Existem registros de Bares Gays desde o século XVIII, mas a maioria foi fundada especialmente nos séculos XIX e XX.

Bar Gay “Eldorado”, na cidade de Berlim, um dos mais frequentados da Alemanha

Com o avanço da tecnologia, a música, que sempre existiu nesses bares, foi chegando de forma mais e mais incisivas nos Bares Gays mas, também, em Saunas Gays e vários outros tipos de estabelecimentos gays, sempre underground, que foram surgindo. E foi dos gays que faziam músicas para outros gays que surgiu a dance music nos anos 1970, de acordo com a recente pesquisa feita por Luis Manuel-Garcia (leia na íntegra AQUI). E, com a música dance, as baladas. (Aqui vale a pena dizer que a foto de capa desta matéria é de Larry Levan, um dos DJs mais reconhecidos da dance music em Nova York, especialmente da década de 1970).

O que acontece, porém é que assim que a música dance (especialmente a house) deu origem à acid-house e, por consequência a outros subgêneros, os heterossexuais que produziam esse tipo de música já protagonizavam o papel de DJs da eletrônica e a origem gay desse gênero se perdeu na memória, até ser recuperada nessa pesquisa.

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De qualquer forma, até hoje as baladas LGBT reúnem todos aqueles que, de uma certa forma, se sentem excluídos, diferentes, esquisitos e isolados por conta da sua orientação sexual ou identidade de gênero trans. Nem o Rap, em alguns momentos, é o ambiente mais acolhedor para nós LGBT. Vivendo no país que mais mata travestis no mundo todo, onde a religião mais adotada pelos brasileiros costuma pregar contra a nossa experiência, onde não existem leis que reconheçam o casamento entre pessoas do mesmo gênero, onde transsexuais em muitos ambientes ainda não podem ser chamados (as) pelo nome social e no país que ainda não criminalizou a homofobia e a transfobia, é bom ter um lugar onde se pode deixar os problemas do lado de fora e viver, mesmo que apenas ali dentro, uma vida normal.

Nem tudo são flores: muitos estabelecimentos gays já foram invadidos, destruídos e queimados com ou sem pessoas dentro deles. O último caso registrado foi o de Orlando onde um atirador invadiu uma festa gay e matou quase 100 pessoas. Ainda assim, por mais que o objetivo seja se divertir lá dentro, frequentar esses lugares é um ato de resistência, é mostrar que nós LGBT existimos e resistimos e não aceitamos nos submeter totalmente a uma sociedade que não nos aceita plenamente. É inegável que muitos direitos tem sido conquistados aos poucos, mas a caminhada ainda é longa.

Tudo isso para dizer que a música eletrônica e essa vivência de vida noturna e baladas não é simplesmente algo que fazemos por diversão (ainda que esse seja o objetivo): é resistência, é a nossa história. E se os heterossexuais pegaram a nossa música e não nos deram25712ba3d360e8a602577a46d30db2c9 o crédito, isso não diminui ainda assim o nosso papel nessa criação.

Dessa forma, rappers gays que, de uma forma ou de outra, quase sempre usam batidas eletrônicas estão simplesmente contando nossa história e resistência através do ritmo.

Enfim, finalizo com um salve para todos os gays, todas as lésbicas, bissexuais, trans, dragqueens, dragkings e travestis nesse mundo. Nós ahazamos!

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