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sexta-feira, março 29, 2024

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Grupo Projeto Preto fala sobre empoderamento negro e muito mais em entrevista exclusiva para o ZonaSuburbana

Projeto Preto LogoÀs vésperas do lançamento de seu segundo clipe, “Somos Negros Sim”, o grupo Projeto Preto concedeu entrevista exclusiva para o ZonaSuburbana falando sobre empoderamento negro, conservadorismo dentro do rap e do movimento hip hop, sobre o encarceramento em massa e o racismo institucional e a luta pela retomada da identidade negra e de tudo que foi tirado da população negra através da exploração racista ao longo da história.

 

De São Paulo, o grupo surgiu em 2012 com D’OgumT.R. recebendo o nome de Universo Paralelo. Na medida em que o nome já estava patenteado, a dupla então criou o nome Projeto Preto (PP) que hoje conta também com a presença de Bia AnarkaDenvin.

Confira a entrevista na íntegra:

ZS: Como vocês entendem o Projeto Preto (PP)? De onde veio a ideia? Como vocês entendem o conceito do PP?

D’Ogum: O PP nasceu com duas perspectivas centrais: uma individual e uma coletiva. No campo individual, o PP é sobre auto-afirmação de vida, sobre reconstrução de uma identidade e da psiquê de cada um dentro dessa sociedade extremamente violenta e dentro da cidade mais racista do mundo. Assim, estamos escrevendo agora uma nova página da nossa vida onde a gente existe e se faz presente para além das drogas, do crime e estamos aqui nos afirmando dentro da cultura hip hop, pegando para nós tudo que sempre nos foi negado. No campo coletivo, o PP tem o objetivo de pegar esse resgate e essa reconstrução da psiquê e da própria identidade e transformar em algo coletivo, algo além de nós. É sobre voltar, olhar para a raiz, fortalecer essa ideia de que a cultura é nossa e de que precisamos retomar tudo aquilo que nos foi tirado. A maioria dos projetos de hip hop aqui no Brasil são levados por homens brancos, héteros e de classe média: que são quem mais ganha dinheiro no nosso país, mesmo o hip hop sendo uma cultura preta. E esse cenário, que era pra ser de auto-afirmação de vida para nós que morremos a cada 23 minutos na mão do Estado, se torna obsoleto e o nosso extermínio continua a mil. Por isso visamos a urgência desse fortalecimento e pensamos na criação de uma rede de pessoas negras dentro da nossa própria cultura, disseminando nossas produção e exaltando cada vez mais tudo aquilo que é produzido pelas nossas mãos.

Anarka: Entendo o PP como um trampo que vai muito além do rap, porque não queremos só fazer um som. Nossos planos estão muito além disso, saca? O PP É uma atmosfera que mescla várias fitas: reconstrução da auto-estima preta, fortalecimento da identidade estética e cultural e a recuperação de um espaço que sempre foi nosso, mas que está cada vez menos aberto a nós. A gente tem um cunho político anti-fascista nas letras, o que exige uma responsabilidade, um cuidado muito grande com o que a gente passa e, quando se coloca assim, eu vejo que o que a gente está fazendo não é só música; é uma troca de informação gigantesca, é uma proximidade da própria raiz que a gente traz para quem nunca nem se viu como preto e nisso tem muito aprendizado para nós, também, diariamente. O PP é muito grande e se divide entre o coletivo e o individual, porque nós somos uma família mesmo e, ao mesmo tempo em que todo mundo é um só, existem várias personalidades dentro desse um corpo que é o grupo.

DenVin: Tenho uma amizade de algum tempo com o D’Ogum e o T.R só que sempre falamos sobre zueira. Nem tínhamos essa noção de trocar ideia sobre rap. Mesmo já vendo que os caras tinham uma ideia contundente, já tinham uma visão, já tinham uma mensagem pra passar, eu sempre fui um cara que queria levar carreira solo. Na época, tinha desistido porque notava que o tipo de mensagem que eu tinha não era muito chamativo, via que aquilo não tinha nenhum conteúdo. Foi em 2015 que tive um pessoal que me ajudou, que me incentivou a voltar a rimar e aí comecei um som meu onde critico o conservadorismo e o cristianismo dentro do rap por serem duas coisas que afetam diretamente o povo preto: a religião cristã acaba impactando as pessoas pretas que tem religião afro no rap através da intolerância; e o conservadorismo que a gente vive no rap onde é muito foda um cara preto ou uma mina preta ter um reconhecimento – o que mais vejo no cenário hoje são homens ou mulheres brancas sendo reconhecidos com mensagens que não agregam em nada. Então critico muito a falta de espaço que nós negros temos. E não penso só no Rap: penso na música no geral. O samba também é exemplo disso: antes dominados por pessoas negras, já foi até chamado de música de bandido, hoje em dia o que mais tem são pessoas brancas. O próprio axé é exemplo disso: uma criação do povo preto e hoje em dia o que mais tem aí na mídia são cantoras brancas. Acho isso muito triste pro povo preto que já tem uma auto-estima fodida… Então depois dessa primeira música, foi aí que o D’Ogum e o TR ouviram e perceberam que algumas ideias nossas batiam. Eles então me fizeram o convite para entrar no PP. Mesmo tendo expectativas diferentes, nós queremos a mesma coisa: o resgate da auto-estima, do fortalecimento da nossa raça, da cultura. E é isso que me fez entrar aí no PP. Uma parada muito foda porque só quem é preto e preta mesmo é que sabe como é embaçado viver num sistema que cobra um padrão, onde um preto e uma preta só se encaixam no papel de suspeito e onde os pretos e pretas se unem para lutar contra isso e as pessoas brancas enxergam nisso o “racismo reverso”. Agora nós vamos tomar tudo aquilo que foi tomado, enfrentando tudo e todos.

ZS: Sobre essas articulações do PP fora da música que vocês falam sobre valorização da estética e cura, como é isso?

D’Ogum: Da posição que estamos, acho que temos que enxergar as coisas além do que os olhos veem. Nós que somos pretos de quebrada, por questão de sobrevivência, sempre temos que enxergar as coisas além do que vemos. No rap, isso não seria diferente. Para mim vai além de ritmo, batida, palco e show. Isso é sobre vida. Foi e sempre será sobre vida. E eu sempre procuro me lembrar disso: antes de ser D’Ogum, eu sou o Lucas, o mano de quebrada com várias neuroses para lidar e tendo que conviver diariamente com ansiedade e depressão. E os quatro estão na mesma. Como falei anteriormente: nós vivemos na cidade mais racista do mundo. É pesado. E é uma vivência que nós quatro temos em comum. É muito difícil encontrar um preto que não esteja na mesma, com as mesmas neuroses, na mesma realidade, com os mesmos perrengues. Por isso mesmo o PP visa além do rap: visa a cultura, o hip hop. E o hip hop nasceu assim: na quebrada, entre sobreviventes de uma mesma realidade hostil onde nós nos juntamos em um grito de resistência e auto-afirmação de vida tipo “nós vamos continuar vivos, nós estamos aqui e vocês não vão mais nos matar: nós vamos viver de mic, de lata de tinta, de conhecimento, de dança e dos riscos dos DJ’s”. E nós brisamos em retomar essa fita: cura e luta contra aquilo que nos mata diariamente. Até porque isso vai além de tiro: não é só pela bala que a gente morre. São por muitas coisas: negação do conhecimento, estar em ambientes negativos. As pessoas que escapam a isso são exceções. E a gente busca ser essa exceção através do hip hop. E o PP nasceu assim: comigo e o T.R. rimando, acreditando que isso poderia salvar a nossa vida. Eu estava em várias fitas erradas, em um caminho totalmente oposto e o hip hop salvou. O hip hop salva diariamente. E nós acreditamos que hoje podemos expandir essa rede de cura e retomar o que sempre foi nosso: estamos trabalhando para isso. Estamos pensando também de criar realmente uma rede de cura para mais pessoas pretas, expandindo esse processo de cura que começou com nós.

Anarka: Mano, quem é preto sabe que a gente vive constantemente entre o sonho e a sobrevivência… quando a gente fala de valorização da estética, a gente fala sobre se reconhecer como você é, e não como impuseram. Porque a falta de auto-estima é uma das fitas que mais pesam pra nós que muitas vezes nem nos reconhecemos como pretos. Mas auto-estima vai além da estética, porque é uma questão de existência, de sentido para a vida, que quando a gente não se reconhece, é difícil ter… e aí entra a falta de estrutura emocional, que desencadeia depressão, ansiedade… o que nós quatro do PP temos em comum. Eu sou uma mina preta e eu demorei pra me reconhecer como tal e te digo que, ainda hoje, eu sou invisibilizada pra caralho como negra; é sempre “morena”, “parda”… e isso também é agressivo, mesmo pra alguém que tem noção do embranquecimento estrutural que existe. Quando a gente passa a entender a sociedade como ela é (digo, racista) e, principalmente, quando a gente passa A SE entender, a gente começa a tomar outro rumo que é o de buscar referências que façam com que a gente se auto-afirme como preto cada vez mais, que façam com que a gente pare de se submeter a padrões que minam nossa identidade e apagam o que somos, toda a nossa história. E é aí que entra a cura. O hip hop nasceu dentro da quebrada, uma fita de nós para nós, nasceu de preto para preto, de pessoas que estavam nas mesmas neuroses e submetidas a uma mesma e única lógica branca de violência generalizada, tipo plano de extermínio mesmo, tá ligado? E a nossa articulação fora da música é levar essa subversão pro nosso cotidiano também, não só pro palco. É ter audácia para viver de cara limpa e preta numa sociedade majoritariamente branca.

DenVin: Em relação às articulações fora da música, foi uma parada que me chamou muito a atenção quando recebi o convite para fazer parte do PP. As ideias que o grupo tem e que foram compartilhadas comigo, foram o que eu precisava para poder me afirmar de vez como um homem negro. Pode parecer que não, mas muitos negros(as) não se assumem negros(as) por causa do padrão estético imposto por um sistema racista. Eu, mesmo estando envolvido com as rimas desde os meus 12 anos, só fui me reconhecer negro depois dos 21. Foi aí que comecei a entender as ideias de militantes negros sobre o quanto nosso povo tem a auto-estima roubada, sobre o quanto sofremos por termos narizes largos, lábios grossos… tudo isso é o que o PP tem o intuito de fazer. Subir no palco e apresentar nosso trabalho é sim algo que queremos fazer, porém, entre o intervalo de cada música, sempre mandamos umas ideias para o público preto, falando sobre o orgulho que devemos ter de sermos negros. Sempre tentamos fortalecer a auto-estima do nosso povo. Eu tive uma grande oportunidade de lecionar inglês em uma ONG voltada para o povo preto. Foi muito impactante pra mim saber que muitos negros e negras tinham uma resistência em aprender inglês por terem ouvido que preto não merece ter essa oportunidade. E foi à base da conversa e palestras que pude de certa forma trazer um pouco de conhecimento para meu povo, tanto nas aulas no curso quanto nas aulas particulares. E só pra firmar mais, confesso que se não fossem os amigos integrantes do grupo, seria muito difícil eu seguir nessa jornada que vinha destruindo minha auto-estima a cada dia que se passava. Assim como o PP foi importante para minha auto-afirmação como negro, eu quero que possamos fortalecer muitos negros(as) que estão passando pela mesma batalha que nós.

ZS: Vocês falaram sobre o quanto a cultura Hip Hop e o Rap tem sido apropriados por brancos e que o Projeto Preto tem também o objetivo de retomar as raízes negras do Hip Hop. Então quais outros balanços vocês fazem sobre o Hip Hop e o Rap hoje?

Anarka: Um balanço que eu faço do hip hop hoje, além da apropriação que vem acontecendo, é da misoginia que sempre esteve presente no movimento. Eu sempre vi o hip hop como o espaço mais aberto às causas sociais. A gente sempre teve espaço pra denunciar o governo, a polícia, o racismo estrutural. E eu acho que, mais que tudo, essa voz que a gente tem para fazer o que faz é o que torna o hip hop forte como ele é. Contudo, o movimento sempre foi predominado por homens, ele nasceu exclusivamente entre homens e, ainda hoje, nós mulheres (cis e trans) e nós LGBT’s, ainda somos coadjuvantes numa cena tão enorme como o hip hop, que tem lugar para geral. A gente ainda é subestimada no mic, a gente ainda é motivo pra piada em muitas bancas, a gente ainda é diminuída e hiper-sexualizada nas letras de rap. E é uma fita que vai além da falta de espaço que a gente tem, porque todas essas coisas são absurdamente agressivas e naturalizadas, o que contribui pra opressão diária do patriarcado sobre nós e, isso é tão comum, tão enraizado, que nosso grito é visto, na maioria das vezes, como vitimismo. A gente tem estatísticas brutais de estupro, agressão doméstica, assédio, MORTE. Isso tem que ter espaço no hip hop, no rap, sim! Eu acho muito importante num movimento tão grande, mulheres terem voz pra conversarem entre si e criarem uma frente contra tudo isso.

ZS: Vocês acreditam que existe uma unidade dentro Hip Hop? Vocês acreditam que é possível fortalecer ou criar essa unidade? Se sim, como?

D’Ogum: Já existe bastante, inclusive. É meio triste, por uma perspectiva, precisarem existir essas “unidades” contra opressões pelas “minorias” num movimento que já nasceu justamente com esse propósito de ser um grito de liberdade para quem já é segregado por esse mundo cão aí fora. E isso você observa em relação às pessoas pretas: é um absurdo um movimento que nasceu pós-diáspora, pós-apartheid e pós-escravidão, ser predominantemente branco, com pensamentos e atitudes retrógradas, racistas, exclusivas, que fortalecem e disseminam toda uma estrutura genocida que visa a todo custo nos apagar através do embranquecimento identitário e existencial no sentido literal da palavra. Quantos projetos voltados ao hip hop são ministrados, criados ou executados por pessoas pretas, por mulheres pretas? Cadê os meninos e as meninas pretas que poderiam estar no hip hop? Estão na bocada a milhão, estão em várias fitas erradas porque boa parte do movimento vem reforçando mais do que combatendo essa lógica racista e exterminadora. Eu enxergo a Frente Nacional Mulheres no Hip Hop como uma dessas unidades, particularmente eu aprendo e absorvo muitas ideias e atitudes necessárias pra criação de mais unidades com o mesmo propósito. É extremamente possível, como disse, existirem outras unidades que eu desconheça justamente por conta da falta de informação e da segregação dentro do próprio hip hop.

Anarka: Já existem várias unidades, na real, correndo por várias fitas que ainda são excluídas do movimento (pautas como transfobia, machismo, homofobia, gordofobia). Uma dessas unidades é a DMNA: uma produtora só de mina, na qual eu faço parte, que tem como prioridade o fortalecimento entre nós mulheres, já que é difícil ter apoio dentro de um espaço que ainda segrega mina artista. Eu acho que essas unidades são necessárias porque elas são espaços para minorias que ainda são segregadas e um corre contra uma monopolização fascista no rap mas, ao mesmo tempo, acho triste a gente ter que criar sub-movimentos num movimento que por essência deveria ser o mais aberto à minorias.

DenVin: As tensões dentro do movimento Hip-Hop são nítidas sim e isso não é de hoje. O movimento que estamos envolvidos visa combater qualquer tipo de opressão e por mais estranho que isso pareça, o surgimento de ”novos MCs” que trazem um conteúdo opressor em seus trabalhos estão crescendo. Esse tipo de ideias opressoras estão ganhando um reconhecimento considerável e, para quem conhece o movimento Hip Hop, sabe que desde o começo o movimento foi usado para combater a opressão que o povo preto sofria nas ruas. Infelizmente isso vem tanto da galera da nova escola quanto o pessoal que pavimentou essa estrada de Rap pra nós, que por alguma razão acaba usando de vários tipos de opressão com vários tipos de pessoas dentro no Hip Hop. Graças à minha aproximação com as minas do DMNA e outras minas que mesmo fora do Rap mantém uma luta contras essas opressões, fui capaz de ter a empatia que acho ser necessária para qualquer MC. Agora, falando sobre essas tensões, creio que o surgimento disso vem conforme a criação de cada um. Infelizmente, no Hip Hop nacional, a religião cristã é muito presente e mais do que a maioria das vezes a opressão vem baseada conforme essas crenças. Já cansei de ver muitos MCs pretos periféricos que nos anos 90 mantinha uma religião de raiz africana e hoje se converteu para o cristianismo e, após a conversão, o nível de intolerância cresceu. É de total conhecimento que gays, lésbicas e transsexuais não são aceitos no Hip Hop por grande culpa de MCs que seguem a religião cristã e as unidades que hoje estão combatendo isso mostram o quanto essa galera opressora se sente incomodados por serem cobrados.

ZS: O encarceramento em massa e o racismo institucional caminham juntos? Poderiam falar sobre o trabalho de alguns coletivos que utilizam o hip hop como ferramenta para mudar essa realidade?

D’Ogum: Com certeza. Se observamos o processo linear que se deu até a construção do sistema prisional constatamos isso. Após o fim da escravidão, o racismo institucional precisaria se adaptar e criar uma outra forma de manter os pretos controlados e transferir a tutela do “sinhô” para o Estado, assim nasceram os presídios com a premissa de que os pretos a solta e sem uma tutela eram algo nocivo e extremamente perigoso para a sociedade. Pra isso a cultura do medo foi propagada através das grandes mídias, os pretos na condição que estavam eram inseridos numa lógica que automaticamente os levavam ao cárcere, roubo, tráfico de drogas, acusações de estupros em relações inter-raciais e tudo que até os dias de hoje cai como estereótipo pra quem carrega melanina. Mais da metade dos presos no Brasil, sendo mais de 60% negros, aguardam julgamento, a maioria é por furto simples e a fita é que cada detenção dessas não afeta em nada o crime organizado, apenas dá aos agentes da lei a ideia de que a missão foi cumprida, mais um vagabundo preto atrás das grades na voz do Datena nos programas policiais e o cidadão de bem pensa que foi tudo resolvido. Não foi. o Racismo institucional é dilacerante na sua forma de opressão, a violência só cresce e a população carcerária só aumenta, tivemos um aumento na população carcerária de 267,32% nos últimos 14 anos e atualmente com 622.202 mil presos, é o quarto país que mais prende no mundo, ta ligado? Sem contar que a maioria dos presos não tem contato algum com o crime organizado até a chegada do cárcere: só a partir do momento que o Estado assume o direito de vigiar e punir em sua tutela o denominado “meliante”, é que este mesmo começa a ingressar no crime organizado, ou seja, a partir disso concluímos que o fortalecimento do crime organizado é responsabilidade direta do Estado, que na teoria tem o dever de ressocializar e inserir novamente o individuo na sociedade, coisa que não acontece, pois a reincidência no crime é grande. É nítido a relação do racismo institucional e o encarceramento em massa, o cárcere tem cor, tem preço e tem endereço certo. No fundo a gente sabe que tem quem lucra com isso e que o propósito eugenista e racista continua intacto. Tentei puxar na minha cabeça coletivos que trabalham com essa questão do cárcere de forma efetiva usando o Hip Hop como ferramenta e não consegui lembrar de muita gente, a Cintia Savoli e Mirapotira tem um trabalho dentro das penitenciarias masculinas na Bahia, o Marcello Gugu também dissemina um trabalho dentro da Fundação Casa, Luana Hansen idem, acredito que tem muitas pessoas que fazem esse trampo e fico triste porque acredito que esse tipo de atitude deveria ter mais importante na cena do Hip Hop e é justamente a falta dessa importância que demonstra o grande processo de embranquecimento que o Hip Hop esta inserido, as mãos que criaram tudo isso estão acorrentadas e sua própria criação esta virando as costas e tomando um rumo cada vez mais preocupante, mas nós estamos aqui pra mudar isso e retomar as raízes, certo?

ZS: Para vocês, o que é lifestyle? O conceito vai além dá moda e dá falta de atitude de muitos grupos dá cena atual?

Anarka: Mano, lifestyle pra mim é a essência, autenticidade, naturalidade que você traz consigo no que você faz e, com toda certeza, o conceito vai além da moda e da falta de atitude de muitos grupos da cena atual porque, eu enxergo o hip hop como ação direta constante, subversão. Viver o hip-hop vai além do material, além das roupas largas, do skate, das paredes grafitadas e, falando com prioridade no rap, a partir do momento em que nos falta conduta, é isso que a gente transpõe para quem está prestando atenção no que a gente diz, é isso que a gente passa para quem nos tem como espelho, como inspiração e força para caminhar. O hip hop para mim é resgate cultural, espiritual. Está além da gente, porque como o Lucas e eu costumamos falar, somos só canais para tudo isso. A gente tem que estar em sintonia interna primeiro, para depois expor isso pros demais. O rap é vida, por isso tem que existir sinceridade nas linhas… e isso só existe quando a gente vive de verdade o que segue, acredita e, mais que tudo, quando a gente vivencia antes, pra depois ter o que dizer.

ZS: Sobre os próximos passos do Projeto Preto: o que vocês têm em mente a curto, médio e longo prazo? O público já pode esperar uma EP, Mixtape, álbum? Existem mais singles ou clipes a caminho?

D’Ogum: A gente vislumbra algumas coisas no horizonte, mas nada muito concreto: só a vontade de fazer. Tem muita coisa em aberto e estamos para fechar um disco com um beatmaker que particularmente admiramos muito. Até o fim de Janeiro nós lançaremos mais um clipe que trás muitas coisas que, no nosso ponto de vista, foram perdidas e esquecidas dentro da cultura Hip Hop: principalmente ao que remete às questões étnicorraciais que são emergenciais. O que o público pode esperar com toda certeza é o PP vindo com total força no campo audiovisual. Muitos clipes bonitos estão pra chegar e a DMNA está no front disso tudo.

DenVin: Dizer que nós não queremos um trabalho sólido nas ruas seria uma mentira gigantesca. Claro que queremos fazer isso, mas precisamos firmar nossos pés nessa estrada que chamamos de Rap. Creio que cada vez que vamos gravar um som com produtores diferentes sempre vamos com uma experiência a mais do que a vez anterior. Estamos de certa forma selecionando as pessoas que podem de certa forma nos ajudar, que tenham uma ideologia mais próxima da nossa, porque não podemos botar tudo a perder. Como o D’Ogum disse, estamos sim focando no audiovisual. Estamos com a equipe da DMNA dando o suporte necessário. Queremos e muito fazer nosso trabalho com calma e perfeição. Viemos para resgatar tudo que tomaram no nosso povo e vamos fazer isso da melhor maneira possível.

ZS: Como vocês enxergam o Projeto Preto daqui, vamos dizer, 30 anos? Quais conquistas vocês imaginam que irão ter tido?

D’Ogum: Nossa, essa foi a única pergunta que me deixou um pouco pensativo (risos). Ah mano, eu imagino nós firmes e fortes na caminhada, firmão no nosso compromisso e mantendo o Hip Hop fincado em suas raízes. É dificil detalhar especificamente o que iremos conquistar porque para nós nem caiu a ficha direito de que estamos construindo tudo isso, ta ligado? É tudo muito novo.

DenVin: Cara, em relação a idade, como eu sou o mais velho do grupo, eu fico até com receio de falar porque daqui a 30 anos eu estarei com 55 e isso é muito triste (risos). Mas eu sinceramente espero que o grupo dure todo esse tempo com suas ideias e que sejamos ouvidos e tenhamos as ideias transmitidas da melhor forma possível. Pra mim, a melhor coisa que poderia acontecer daqui a 30 anos em relação ao PP é sermos exemplo para uma futura geração de pretos e pretas: que nosso trabalho rompa barreiras e que nossa meta principal seja conquistada.

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