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sexta-feira, abril 19, 2024

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A PEC do fim do mundo

Por Spensy Pimentel, do site Desinformémonos

Que a democracia brasileira era uma fina camada de verniz sobre um passado colonialista brutal, além de um presente em que pequenas ilhas de Estado de direito estão cercadas de um oceano de violências por todos os lados, isso já sabemos há várias décadas. O que não se podia imaginar era quão frágil podia ser até mesmo o que parecia termos de mais sólido – ao menos uma carta de intenções, que é nossa Constituição de 1988.

O novo governo golpista não parece disposto a deixar pedra sobre pedra. A fórceps, e aproveitando a oportunidade de ouro que o naufrágio titânico do PT ofereceu, articula agora uma série de medidas que podem fazer o Brasil deixar um modelo desenvolvimentista e um estado de bem-estar social rumo a um modelo liberal radical, à moda dos EUA.

Uma das principais medidas apresentadas pelos golpistas ficou conhecida como PEC 241 – é uma proposta de emenda constitucional que visa congelar os investimentos públicos pelos próximos 20 anos. Os orçamentos passarão a basear-se somente na correção pela inflação do ano anterior. O problema é que não leva em conta o crescimento da população, nem inclui no congelamento os gastos com a dívida pública – que, no Brasil, passa atualmente de R$ 3 trilhões e consome quase 45% de tudo o que o Estado arrecada anualmente. Sob o disfarce de uma medida emergencial e moralizadora, a 241 se apresenta publicamente como uma medida para impedir a criação de novos impostos e impor a racionalização dos gastos pública. Os movimentos sociais apelidaram-na “PEC do fim do mundo”.

Na prática, é uma piada imaginar que setores cruciais como a saúde e a educação conseguirão disputar verbas com um Judiciário e um Legislativo que estão entre os mais caros do mundo ou com obras e compras negociadas com empresários que pagam vultosas propinas. Quem pode imaginar que juízes, deputados e senadores abrirão mão de suas mordomias em prol de um aumento para os salários de professores ou médicos ou para a construção de mais hospitais ou escolas? Além disso, diversas outras medidas discutidas paralelamente já deixam claro que o governo tem mesmo a intenção de derrubar a ideia de sistemas de saúde e educação que sejam universais e gratuitos. Recentemente, o novo ministro da Saúde chegou a dizer que um sistema de saúde para todos não passa de um “sonho”.

Os estudantes brasileiros se tornam, agora, a primeira classe que resolveu massivamente enfrentar essa série de mudanças radicais impostas pelos golpistas. Tudo começou no início de outubro, como uma série de ocupações em mais de 800 escolas em um estado do sul do país, o Paraná, em protesto contra a 241 e outra medida também lançada pelo governo de forma intempestiva e sem diálogo com a sociedade: uma reforma do ensino médio que não foi apresentada publicamente nem mesmo como projeto de lei, sendo encaminhada diretamente ao Congresso como medida provisória (a MP 746).

Agora, as ocupações de escolas e universidades ultrapassam um milhar e se espalharam pelo país, sobrepujando inclusive os métodos mais tradicionais de luta sindical, como as greves. No início de novembro, para cada universidade em greve havia 10 campus ocupados por alunos.

É bem verdade que muitas das novas ocupações já não se parecem tanto com as que aconteceram em São Paulo em 2015 – quando o governo do estado mais populoso do país anunciou, de forma unilateral, que fecharia dezenas de escolas de ensino médio. Naquela ocasião, as ocupações funcionaram como tática autônoma de movimentos estudantis que chegaram a rechaçar a entrada nas escolas de entidades tradicionais do movimento estudantil – agora, as novas ocupações aparecem como ponto de coalizão, sendo muitas delas apoiadas por vários setores da esquerda com histórica vinculação partidária, como a própria União Nacional dos Estudantes.

De qualquer forma, é entre o fim de novembro e o início de dezembro que se prenuncia, talvez, a primeira grande queda de braço entre o governo golpista e a sociedade civil no país. Para acompanhar as duas votações da 241 no Senado, diversos movimentos de todo o país já organizam uma caravana a Brasília. Será que a passividade do país diante do golpe será rompida? Teremos já um endurecimento do governo com os setores que ousam organizar-se diante da 241? Aguardemos os próximos capítulos dessa angustiante novela.

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