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terça-feira, março 19, 2024

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Rap não é só violência, no entanto, este gênero reflete nossa cultura violenta de maneira muito mais próxima

Membro do Coletivo das Preta e integrante do site Noticiário Periférico, Ana Rosa escreve sobre os efeitos da masculinidade imposta numa sociedade violenta, onde os jovens negros são as principais vítimas. Convidada para o debate sobre o tema, a autora aborda estudos sobre violência e a cena rap!

POR ANA ROSA

Quando vamos abordar qualquer assunto que trata de categorias sociais, é importante enxergar o que estamos falando dentro de uma situação social completa. Ou seja, é importante estabelecer que os artistas que compõem o hip hop, antes de serem encaixados nesse recorte de artista de determinado segmento, são cidadãos e, no caso do hip hop, são majoritariamente pretos e pardos e estão inseridos num sistema racista que mata os seus jovens negros de maneira direta e indireta.

O Mapa da Violência, elaborado em 2014, traz alguns dados que podemos usar como norteadores para esse assunto. O estudo traz dados que estabelecem de maneira gritante o que é ser um jovem negro de periferia no Brasil. Os homicídios são a principal causa de morte dos jovens de 15 a 29 anos no Brasil, esta parcela é composta em sua maioria por negros, do sexo masculino, moradores de periferias ou áreas metropolitanas dos centros urbanos.

Dos quase 57 mil mortos por homicídio em 2012 (quase 62 mil em 2016, de acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2017), mais da metade eram jovens, nesse grupo, cerca de 70% eram negros, e 93% do sexo masculino. Outro dado preocupante: 51% dos jovens ouvidos já perderam alguma pessoa próxima de forma violenta. Acredito que já são conhecidos os diversas fatores que contribuem para o extermínio da juventude negra de maneira direta ou indireta, e as construções sociais históricas que contribuem para isso.

Um dos fatores que podemos destacar enquanto maneira indireta de limitar a vida dos jovens negros é o padrão de masculinidade imposto, que gera uma cobrança extrema sobre o ser masculino, que tem principalmente a violência e a agressividade como exercício de poder e dominação não só sobre as mulheres mas com outros homens.

Existem “N” estudos que tratam sobre a relação da violência com o padrão de masculinidade imposto, e de certa forma todos convergem para a tentativa de animalizar os homens, em sua maioria negros, para torná-los “alvo fácil”. Ora, se eu tenho um homem negro violento, rústico, sem sensibilidade alguma, está tudo bem, o corpo preto ser torturado, mantido sob condições desumanas, no cárcere e até mesmo morto em um enquadro.

Por outro lado, a hipermasculinidade exige que jovens sejam expostos a situações de violência como uma via de autoafirmação num contexto de invisibilidade. Dessa forma, mesmo que sejam expostos a mortes violentas, a desaparecimentos de amigos e familiares sem nenhuma explicação, a violência das condições sociais precárias, como moradia e saúde, torna quase certo que a frase “diz que homem não chora” se faça real.

Contudo, entendendo que mesmo entre as milhares de vertentes que têm crescido dentro do rap- inclusive até as que questionam o padrão de masculinidade, mostrando diversidade no ser masculino- as letras de rap, o movimento hip hop como um todo, sempre vai ser lembrado e cobrado por essa aproximação com o que é vivido nas periferias, e carrega com ele o potencial de denúncia e, principalmente, de empatia no diálogo com o jovem negro. Finalizando, o rap não é só violência, este gênero reflete nossa cultura violenta de maneira muito mais próxima que outros segmentos.

LEIA TAMBÉM: Artistas, militantes e comunicadores do hip hop discutem o papel do rap no combate à violência contra a juventude negra

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