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sexta-feira, março 29, 2024

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Juca Guimarães: “Usar o rap para seguir uma modinha é, no fundo, uma grande fraude”

Juca Guimarães, do portal R7, é conhecido na cena por abordar o hip hop e as questões periféricas em grandes veículos. O jornalista já trabalhou na Folha de S.Paulo e no Diário de S.Paulo, entre outros jornais. O ZonaSuburbana trocou uma ideia firmeza com o mano Guimarães, falamos sobre jornalismo, rap e hip hop. Confira abaixo.

ZS: Na última vez que conversamos, você trabalhava no Diário de S.Paulo e eu no Bocada Forte. Falávamos sobre a falta de interesse da grande mídia por pautas e demandas negras e da periferia. Hoje você está no R7. Acha que algo mudou?
Juca Guimarães: Acho que pouca coisa mudou na mídia tradicional nos últimos anos, no entanto, os coletivos e meios de comunicação periféricos e ligados às causas sociais estão melhorando rapidamente. Estão fazendo um jornalismo cada vez melhor. Espero que essa evolução continue e se amplie, que fique mais empreendedor e que eles possam se capitalizar e estruturar. Da grande mídia não dá para contar com muita coisa. A leitura da cultura periférica ainda é bem superficial. Eu, particularmente, fiz uma mudança na minha vida pensando no futuro do jornalismo. Acredito que os portais de notícias têm uma missão muito importante, enquanto o jornal impresso está perdendo espaço e relevância. O modo como as pessoas estão se informando hoje em dia mudou.

ZS: Como é o seu trabalho atual?
Juca Guimarães: Estou usando as ferramentas extras que o R7 proporciona, como vídeo, áudios, galeria de fotos, etc, para cobrir melhor os eventos e personagens das periferias. Tenho dado uma atenção especial ao hip-hop, principalmente artistas novos e talentosos, mas quero abordar também teatro, dança, grafite, literatura, artesanato, enfim, ir fundo na cultura periférica. Em breve terei uma coluna no portal, por enquanto, vou escrevendo para as editorias de São Paulo e Musica.

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ZS: No R7, continua sendo um dos poucos negros na redação?
Juca Guimarães: Sim, como em todas as redações por onde passei nesses 17 anos de carreira no jornalismo tem pouco negros trabalhando e, principalmente, decidindo pelo conteúdo. O mesmo pode-se dizer em relação a questão de gênero e de orientação sexual. O resultado é uma visão bem limitada sobre questões cruciais para a sociedade. Faltam negros nas redação, mas não é só uma demanda de representatividade. Eu acredito que faltam negros de pensamento progressista, dispostos a sugerir e produzir matérias que abordem os problemas que os negros enfrentam. Uma das qualidades mais importantes de um repórter é a capacidade de entender e se colocar no lugar do outro, tentar entender a fundo o que as pessoas estão passando. Quem faz isso definitivamente não pode apoiar, ou achar normal, o racismo. Isso é ótimo, mas não é suficiente para acabar com o racismo. Precisa de mais engajamento crítico da imprensa e de mais jornalistas negros se posicionando também. A diversidade é um grande trunfo que as redações ainda não sacaram bem.

ZS: Apesar dos simpósios, seminários e encontros promovidos pela grande mídia para falar sobre o jornalismo e seu futuro, a precariedade das redações, com, às vezes, dois funcionários para fechar um caderno; a falta de pesquisa sobre determinados assuntos; as frequentes demissões prejudicam a qualidade das matérias e reportagens. Como vê o futuro do trabalho do jornalista e do jornalismo?
Juca Guimarães: Na minha opinião, o jornalismo mundial está em um estágio decisivo. Ele precisa se reinventar. Particularmente no Brasil essa mudança passa pela formação dos profissionais, fortalecimento dos sindicatos e entidades de classe, conselhos de éticas e liberdade de expressão. Muitos colegas jornalistas foram assassinados nos últimos anos em todos os cantos do país. Por outro lado, o trabalho nas redações fica cada vez mais estressante e superficial por conta da redução no quadro de funcionários. São várias situações de sucateamento das empresas de comunicação que afetam a formação dos jornalistas mais jovens também.

ZS: Vamos falar da cena rap. Com sua diversidade, o rap traz ao hip hop diferentes discursos. Atualmente, uma narrativa que segue tendências internacionais coloca a hipermasculinidade como algo positivo, e um pacote com misoginia, machismo, homofobia e preconceito vem inserido em certas rimas. Acha que isso representa a mentalidade dessa era?
Juca Guimarães: O rap é um recorte da sociedade, mas não é necessariamente o pensamento predominante dela. Eu vejo muita gente que está começando no rap trilhando este caminho preconceituoso e machista, talvez inspirados em modelos internacionais. É uma pena ver isso. O rap é um veículo muito potente de informação. A ideia que você coloca num rap deve vir do fundo da sua alma porque é uma coisa que vai direto para a alma de outras pessoas. Usar o rap para seguir uma modinha é, no fundo, uma grande fraude. Assim como usar a música para ofender ou menosprezar determinados grupos. É uma atitude horrível porque reverte o principal objetivo da música que é unir pessoas. Como eu disse, isso é triste, mas vejo que no rap é um ponto fora da curva. No geral, o rap tem uma tendência a abordar temas relevantes e de atitudes positivas. Eu gosto muito dos novos artistas que estão levantando bandeiras e abrindo debates interessantes como o Rico Dalasam, o Liniker e a Yzalú, para citar alguns nomes de jovens talentosos, inteligentes e com um discurso muito embasado e consistente. São esses os que vão ficar para a história, o resto dos modinhas, como o MC Biel, logo logo ficam no esquecimento ou acabam presos.

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ZS: Acha que esse lance de geração Y e suas novas abordagens e maneiras de lidar com a realidade também se aplica ao rap?
Juca Guimarães: Claro, o rap é feito por jovens ou por pessoas que têm forte ligação com o universo jovem. A relação com o mundo sempre foi dinâmica em todas as gerações, mas acho que a geração Y é diferente. As relações interpessoais mudaram e isso também mudou o jeito de fazer negócios. Para o rap que fala essencialmente de pessoas e para pessoas, essas são lições importantes que estão sendo incorporadas. No ano passado, o Lab Fantasma, do Fioti e do Emicida, fez parceria com uma faculdade para viabilizar descontos nas mensalidades para clientes da marca. Essa é uma ideia genial e mostra como o executivos do rap mais antenados estão interessados no progresso dos fãs de rap. É o tipo de relação que eu acho que deve prevalecer daqui para frente e o rap vai ganhar muito com isso.

ZS: Nos anos 90, rappers daqui do Brasil tinham discursos de Malcolm X e Martin Luther King como algo próximo aos seus ideais. Atualmente, se analisarmos alguns discursos e letras, eles estão mais para Steve Jobs, Bill Gates. Minha observação está correta? No rap atual, quais são os pontos positivos e os pontos que precisam ser aperfeiçoados?
Juca Guimarães: O rap tem que encontrar o próprio caminho sem se esquecer das suas raízes. Eu entendo quando você diz que as letras estão mais para Jobs e Gates. É sim algo perceptível e, eu acho, que deve ter a ver com a própria expansão do capitalismo e da nova indústria da música. É uma questão delicada porque uma crítica a isso pode dar um tom de censura e tal. Claro que a leitura de Malcolm X e do reverendo King dão uma formação muito importante. Assim como o estudo da história, da formação da sociedade industrial, de Marx, de história do Brasil e a formação dos partidos políticos. Seria muito bacana os rappers se interessarem também pela leitura das páginas da Câmara e do Senado, de sites de notícias internacionais, que participassem de debates de grupos e coletivos da luta social. São experiências de vida que vão refletir na vida e na obra do artista. Falar em pontos positivos e negativos é complicado, pois varia de artista para artista. O que o rap precisa mesmo é melhorar a sua formação e o senso critico.

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Juca Guimarães e o artista Sérgio Mamberti (Foto: Clarissa Naomi Irie)

ZS: O rap combate o capitalismo, mas também promove o capitalismo. Poderia falar um pouco sobre essa dupla identidade do canto falado.
Juca Guimarães: Ficar rico não é defeito. Afinal de contas, cada um sabe a dor e delícia de ser quem é. Ter sucesso comercial e enriquecer fazendo rap deveria ser a meta de todo artista. É o reconhecimento do trabalho. Não é condenável isso. A grande questão é fechar os olhos para a falta de oportunidades e a distribuição de renda que causam tanta pobreza no Brasil. O capitalismo fomenta a desigualdade, disso não há a menor dúvida e o rap não pode virar as costas. Mas não vejo que há conflito incluir o sucesso pessoal e financeiro nesta batalha. Mas essa é também uma equação delicada. Estar ganhando dinheiro nem sempre é um indicativo de se estar no caminho certo. Eu uso como exemplo, um mal exemplo por sinal, o tráfico de narcóticos. Vender drogas no varejo é uma escravidão, talvez o pior tipo de escravidão e diminuição da ser humano. Apesar do fluxo constante de dinheiro e falsa sensação de poder, o trabalho nas biqueiras de drogas não tem perspectiva ou melhora de qualidade de vida. É uma ilusão passageira calcada numa ligeira melhora de padrão de vida. No rap acontece a mesma coisa. Fazer só pela grana é apostar num sucesso passageiro e sem consistência, como o tráfico, depois só sobra o vazio.

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