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quinta-feira, abril 18, 2024

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Fábio Emecê: “Faço rap porque preciso enfrentar o racismo, a violência estatal e todas as suas mazelas”

“O mundo branco é pautado no entretenimento, eles criaram essa parada pra dominar e, em vez de sermos contraponto, tentamos copiar”, explica Fábio Emecê, MC e ativista, ao ser questionado sobre a atual realidade da arte preta, militante e periférica dentro do hip hop brasileiro. Emecê segue no rap divulgando suas poesias em e-books, fazendo EPs e divulgando os singles do seu mais recente projeto, Dia do Vadio, trabalho que traz a lírica contestadora do rapper de Cabo Frio, artista que divide seus dias entre a cultura de rua e o ofício de professor.

ZS: Novos personagens estão atuando na cena hip hop brasileira, trazendo outros discursos e questionando algumas demandas e projetos que fazem parte da luta periférica e negra. Estes artistas estão chamando a atenção de um grande público jovem e consumidor. Como vê essa mudança no hip hop?
Fábio Emecê: Olha, a ideia de ascensão a qualquer custo ia tomar forma de maneira significativa no Brasil, até porque sempre existiu, uma propaganda implícita pra isso. A frase célebre do 50cent “Fique rico ou morra tentando” acaba sendo verdade pra uma galera que teve acesso aos bens de consumo, mesmo parcelado.

Ter grana é importante, o problema que a ostentação da maneira como é tratada e até mesmo descontextualizada gera desiquilíbrio, né? Nada novo dito nas letras de rap de sempre, nada novo pra uma galera que está no sistema prisional, mas a linguagem sempre se renova. Armadilha velha, roupagem nova. Tenha tudo, mas a que preço? O preço é a desestruturação, seja ela comunitária, familiar e pessoal.

O Hip Hop tá sendo usado de forma significativa pra dar essa roupagem nova do consumo, até com ares de responsabilidade. E aí ficamos naquela de salve-se quem puder, e dentro de uma lógica racista e excludente, quem se salva nunca são xs pretxs, né?

emeceZS: Sabemos que muitos artistas, como você, falam de diversão, pertencimento e autoestima de uma perspectiva negra. O que falta para que essa cena preta conquiste mais espaço e passe a influenciar no debate cultural e na diversidade?
Fábio Emecê: Falta muita coisa, inclusive mais pautas significativas dando vozes pros nossos. Ainda é muito pífia a amplificação das vozes em qualquer esfera de comunicação. Muitos do nossos capacitados e invisibilizados. Gente de um quilate de Conceição Evaristo, Alan da Rosa, Muniz Sodré, Ana Maria Gonçalves precisam ser mais ouvidos, seus textos discutidos, suas vozes amplificadas.

Ou seja, nossas referências são referências que ficam num círculo nosso, que é restrito e devido à pouca força de circulação, o debate não vai muito além. Esforços louváveis como um site como Zona Suburbana, Alma Preta, Polifonia Periférica, Bocada Forte, Blogueiras Negras, revistas como OMenelick 2º Ato têm que ter investimento, além de amor, sabe? Existem pessoas pretas fazendo e isso já vale, como vale!

ZS: Várias vezes, em nossas conversas, você fez essa pergunta: Por que continuo fazendo rap? Já sabe a resposta?
Fábio Emecê: Ah, faço porque preciso fazer. É minha verdade, minha busca, minha utopia pela autonomia dos nossos que o rap me dá a chance de verbalizar. O rap foi desenvolvido pra ser uma forma verbal dos pretas e pretas se afirmarem de forma positiva no mundo. Uma tentativa de enfrentar o racismo, a violência estatal e todas as suas mazelas. Então faço rap porque preciso continuar sendo um desses elos. Nenhum passo atrás…

ZS: Você já publicou e-books com poesia e fez EPs, álbuns com temáticas diferentes, mas sempre pretas. Acha que falta um maior apoio dos militantes, comunicadores e produtores para que suas ideias tenham maior alcance?Fábio Emecê: Talvez os parâmetros para se elencar alguém como realmente bom ou visível em alguns momentos é a emulação da mídia de massa. E sendo assim, invisibiliza uma galera boa que tá fazendo a coisa acontecer, com produções fodas.

O outro sabe que você faz, que faz bem, mas é preferível dar moral pra x e y devido ao projeto ali de se criar uma referência, uma liderança ou um modelo qualquer pra se seguir. O problema disso tudo é que somos diversos, somos pretos e diversos, e aí diante de uma forçada pra um caminho único, lacunas se multiplicam e discursos contraproducentes se multiplicam.

Ou há a atenção aos aspectos poucos relevantes, típicas de revistas de fofoca. Aquilo, o mundo branco é pautado no entretenimento, eles criaram essa parada pra dominar e, em vez de sermos contraponto, tentamos copiar. Aí um Fabio Emecê da vida vai ser pouco conhecido mesmo…

fabio-emeceZS: A cena política está um caos, principalmente quando o olhar parte da favela, as perspectivas não são nada boas. Parte do hip hop está dividida em diferente formas de expressão: indiferença, apatia, postura conservadora e de direita e paixão pelo neoliberalismo. Existe saída ou retomada?
Fábio Emecê: Ah, existe, né? Talvez não do jeito dos manuais de revolução tentam impor. Ou uma tentativa de etiquetar quem não vota em x ou y por conta de ser burro. É foda, porque nossa história de origem escravocrata é conservadora. A maneira como o império se estabelece, a república se forma e até mesmo a lógica democrática nunca foram coisas de base popular mesmo. Aliás, toda revolta popular no brasil foi devidamente aniquilada poderio militar do Estado. A retomada pode ser essa consciência mesmo, de que o poder popular precisa ser estabelecido de fato. E pra passar essa ideia, a gente usa a arte, mas tem que ser por todo meio necessário.

ZS: Consegue imaginar como seria a realidade atual sem trabalho dos coletivos periféricos e negros?
Fábio Emecê:
Ah, Fabio Emecê não teria sentido, assim como Criolo, Emicida, Elizandra Souza, Mel Duarte estariam fazendo outras coisas, bem menos relevantes, bem menos dignas pra afirmação dos nossos. Os coletivos são nossa engrenagem pra dizer que outro mundo é possível. Um mundo em que a periferia realmente tenha mais sorrisos do que dores e que os pretos não precisam mais conviver com o cancro racista que nos mata, nos adoece, nos deixa em depressão.

ZS: No rap, muitos fãs reivindicam o direito de serem machistas e homofóbicos, dizem que a sociedade esquerdista quer impor uma ditadura que envolve tipos de comportamentos e pensamentos. O que acha dessa parada?
Fábio Emecê:
A primeira questão é que pessoas que se afirmam como esquerda também são machistas e homofóbicas, né? Ser machista e homofóbico ultrapassa uma ideologia de possível modelo social. Aí o problema, passam a não enxergar isso como errado e quando se é questionado, sendo que os questionamentos estão cada vez mais fundamentados, não há a reflexão, há uma tentativa de justificar o erro e a desculpa da vez é a sociedade esquerdista.

Não ser machista e não ser homofóbico não é ser esquerdista, é ser além! É ser humano em sua complexidade, sendo que a direita e a esquerda sempre derraparam no processo de destruição dos conceitos machistas e homofóbicos.

Ainda bem que existem artistas que estão colocando essa discussão à tona e existem artistas que se propõem a serem melhores e entendem a importância de se posicionar contra e enfrentar esse posicionamento, que não é só de fãs, diga-se de passagem.

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