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terça-feira, abril 23, 2024

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“Ainda não é hora de relaxar”, leia discurso de Tupac Shakur

Nos 20 anos do assassinato de um dos maiores rappers da história, resgatamos um emocionante momento

Atlanta, 1992, Tupac Shakur  é convidado para discursar num banquete organizado pelo Malcolm X Grassroots Movement, na época, um dos mais importantes movimentos negros existentes nos EUA. Pac fala sobre as mudanças nas ruas e a necessidade de novas abordagens para mudar a situação dos jovens negros nos guetos norte-americanos. O rapper cita a luta de sua mãe, Afeni Shakur,  e a situação difícil em que ela se encontra. Leia abaixo:

Primeiro, eu quero dizer: paz para a minha mãe! Ela não está aqui mas eu preciso lhe desejar paz. Eu não estaria aqui se não fosse por ela. E eu olhei na frente desse papel e ele diz “comece por dentro para reconstruir nossa grandeza original”, certo? Bem, foi isso que minha mãe fez.

E eu to ouvindo coisas sobre lutadores e combatentes da liberdade. Bem, vocês têm que entender que quando era moda ter uma arma e ficar na rua, minha mãe abriu mão disso para ficar em casa e lavar as louças. Tá ligado? E nos alimentou. E colocou pensamentos na nossa cabeça. Tá ligado?

Porque nós não recebemos nada daquela história de todos aqueles soldados que nós perdemos. Não tivemos nada disso. Eles todos foram pra cadeia, se é que vocês podem se lembrar.

Eles todos foram para penitenciárias. Nós não vimos nada desses conhecimentos. E se não fosse por minha mãe, que ficou em casa e não foi pra rua fazer tudo aquilo, então eu não teria merda nenhuma. Desculpa o vocabulário, mas eu não teria ido a lugar nenhum.

[…] Eu tenho que lembrar que nós não podemos descansar. Ainda não é hora de relaxar, fazer banquetes e essas coisas. Ainda tá acontecendo. Tá acontecendo como estava quando vocês eram jovens e queriam dizer “foda- se”, exatamente como quando vocês disseram “foda-se” naquela época.

Então, como pode, agora que eu tenho 20 anos, pronto pra começar alguma coisa, todo mundo me dizer para eu me acalmar?

Vocês tão ligados: “não fale palavrão, vai pra escola, vai pra universidade”. Bem, foda-se tudo isso! Nós já temos universidades faz tempo. E as Brendas continuam aí, e os pretos continuam sendo presos. Tá ligado? E isso me deixa… irritado [risadas].

Porque eu entendo que isso não vai parar. Tá ligado? Isso não vai parar até a gente parar com isso. E não são apenas os brancos que fazem isso com a Brenda, e não são apenas os brancos que nos prendem.

São os pretos! Tá ligado? Nós temos que encontrar o Novo Africano em todo mundo, em nós todos. Porque se nós continuarmos por aí procurando pelo negro e por quem está usando mais cores e por quem tem o dashiki mais chique, nós vamos continuar (desculpa o termo) fodidos.

Porque me irrita que a minha mãe esteja passando neste momento por… Vocês sabem… Ela tem que se tratar. Essa é uma pessoa que eu vi viajando pelo país inteiro, durante tempos em que as mulheres tinham medo de levantar a voz pelos Panteras Negras.

Ela falou em Harvard, Yale, em todos os lugares. E agora eu vejo minha mãe com que realmente está acontecendo. E agora eu não vejo grandes manifestações nas ruas pela minha mãe.

E ela não recebeu merda de prêmio nenhum, e eu não vejo ninguém com ela. Tá ligado? Sobre isso tudo, eu levo na boa. Levo tudo na boa. O que eu quero que vocês considerem seriamente é o que temos que fazer pela juventude [palmas].

Porque nós estamos chegando num mundo completamente diferente. Esse não é o mesmo mundo que vocês viveram. Não são mais os anos 60. Não mais. Nós crescemos em A.C., Antes do Crack. Isso deve dizer tudo. Tá ligado? Vocês não cresceram… Nós não crescemos sem pais. Vocês tiveram pais que contaram para vocês “isso foi o que aconteceu há tempos atrás…”.

Agora você não tem mais isso. Você tem jovens crianças, 14 anos, indo pra casa e a mãe deles tá fumando ou dando uma com seus melhores amigos pra arranjar o produto. Tá ligado?

Então, isso não é apenas sobre vocês cuidarem de suas crianças, é sobre você cuidarem dessas crianças [muitas palmas]. Porque é isso que tá em questão aqui hoje. Tá ligado? […] Me incomoda que eu tenha tido que pular a minha juventude pra me levantar e fazer alguma merda que outra pessoa deveria estar fazendo. Tá ligado?

Pra mim, tem homens demais por aí pra fazer isso. Porque não é a minha vez ainda. Eu deveria estar seguindo ele [Watani Tyehimba], pegando conhecimento.

Eu não tive nem a chance de pegar a porra do conhecimento. Eu não posso ir pra universidade. Tem problemas demais por aqui. Eu não tenho o dinheiro. Ninguém tem. Tá ligado?

Então, o que eu tô dizendo é: não é tão fácil como planejávamos. E temos que permanecer reais. Nós temos que permanecer reais. Antes de podermos ser Novos Africanos, nós temos que ser negros primeiro. Tá ligado? Nós temos que tirar nossos irmãos da rua, como Harriet Tubman tirou. Por que não podemos olhar isso e ver exatamente o que ela estava fazendo?

Como Malcolm fez, o verdadeiro Malcolm, antes da Nação do Islã. Vocês têm que lembrar que ele era um cafetão, traficante e tudo isso. Nós esquecemos tudo sobre isso. Em nosso esforço para nos iluminarmos, nós esquecemos de todos os nosso irmãos na rua, dos nossos vendedores de drogas, nossos traficantes e cafetões.

E são eles que estão ensinando a nova geração. Porque vocês todos não estão. Me desculpe, mas são os cafetões e os traficantes que estão nos ensinando. Então, vocês têm um problema com como nós fomos criados, porque eles eram os únicos que podiam fazer isso.

Eles são os únicos que fizeram. Enquanto todos os outros queriam ir pra universidade e, você sabe, “tudo tinha mudado”, eles eram os únicos dizendo que os brancos não valem
merda nenhuma.

“Pega aqui, dá uma olhada, jovem blood: você leva esse produto, negocia ele, faz dinheiro e é assim que você bate o homem branco. Você pega o dinheiro e dá um jeito de cair fora”. Ninguém mais fez aquilo. Então, eu não quero ouvir ninguém me dizendo porra nenhuma sobre quem eu posso amar e respeitar, até que vocês comecem a fazer o que eles fizeram. Tá ligado?

TRADUZIDO POR FÁBIO MAGALHÃES CANDOTTI
Texto retirado do ensaio 1992: A Via Gangsta, trabalho publicado na revista Askesis.

LEIA 1992: A VIA GANGSTA

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